Adérito, o meu Barbeiro
Há poucos produtos ou serviços nos dia de hoje aos quais um tipo possa jurar a pés juntos fidelidade absoluta. Vivemos num mundo rápido e massificado, onde um complexo conjunto de valores se vai perdendo, todos os dias, nalguns casos, verdadeiras jóias de valor incalculável, que estão ali disponíveis, se soubermos estar atentos.
É o caso do Adérito Barbeiro, garboso profissional desta área, há mais de 50 anos. Dos barbeiros a sério, que hoje já não se fazem mais, agora formam-nos "cabeleireiros de homens", que é uma coisa bem diferente.
O Adérito Barbeiro, na Rua de Martim Moniz, em Aldoar, Porto, é o meu barbeiro desde os 15 anos... Hoje quando lá fui "destrunfar", comecei por lhe telefonar, como faço sempre, desde que me mudei para o outro lado do rio.
Porque nos encontramos de 2 em 2 meses e o número de cortes já ascende às várias centenas. Como um amigo de longa data, faço-lhe sempre uma surpresa, pregando-lhe uma partida, que começa sempre com algo do género: " Daqui fala um agricultor que precisa de levar uma poda capilar", ou algo do género.
Do outro lado, invariavelmente, um sorriso ou gargalhada, de acordo com o nível artístico da piada. Gostava de ter guardado algures todas as frases feitas para o meu amigo Adérito Barbeiro, já davam um livro jeitoso. Isto porque o Adérito é o meu Barbeiro há mais de 25 anos.
Enfim, já lhe confessei ter dado umas "facadinhas" na nossa relação, nos tempos em que estudava e vivia em Trás-os-Montes e lá passava temporadas a "estudar"... Mas não foram mais do que os dedos de uma mão!!!
Quem poderá dizer o mesmo?! Hoje anunciei-lhe, em jeito de brincadeira, as nossas bodas de prata!!!
Cortar o cabelo, para um homem, é um acto de uma enorme intimidade. Só o nosso barbeiro sabe exactamente como fazer, só ele conhece todos os contornos do nosso escalpe, desliza de orelha a orelha de lâmina em punho, com o toque suave da seda, desabotoa o colarinho para perseguir aqueles pêlos que teimam em crescer abaixo do limite imposto pela sua arte.
E o cântico entoado pela incessante tesoura que nos tosquia, uma espécie de mantra que relaxa e nos faz entrar noutra dimensão. E o corte daquelas lâminas... a perfeição... nenhuma marca que anuncia o "melhor que há para o homem" consegue estar à altura...
No Adérito Barbeiro há 12 regras, nunca foram escritas, nunca foram impostas, nunca foram discutidas ou submetidas a voto, nunca o serão, mas todos os que o frequentam as sabem:
- Não se vai cortar o cabelo sem reservar primeiro;
- Nunca é preciso dizer como se quer o cabelo cortado (reservado apenas aos clientes habituais);
- Mulher não entra (a não ser para acompanhar um menor, um idoso ou cidadão com deficiência, e nunca deverá permanecer para além do mínimo indispensável);
- Só é permitida a leitura de um Jornal Diário (Jornal de Notícias) e de um Jornal Desportivo ( O Jogo). Outro tipo de publicações é estritamente proibido;
- São "tolerados" adeptos de outros clubes, os adeptos do F. C. Porto são sempre bem recebidos. Qualquer momento de euforia exacerbada nas raras vitórias dos outros clubes, poderá dar origem a tumultos de resultados imprevisíveis;
- Há sempre um calendário exibindo raparigas bonitas que foram à praia mas se esqueceram de trazer a roupa no regresso a casa. Um frequentador habitual distingue-se por conhecê-las todas, pelo nome, zonas particulares da sua fisionomia e mês do ano correspondente;
- O poster com a formação ideal do F.C. Porto está sempre colocado em local de destaque. De tempos a tempos, as velhas glórias são recordadas;
- Há temas de conversa fixos (futebol, política, sexualidade), mas quando lá vou, dão-me muitas vezes o privilégio de falar de plantas. Quase sempre prefiro os outros temas!!! Gosto de estar actualizado!!!
- Há lugares cativos para os frequentadores habituais, todos tem apelidos, alguns dos quais não poderei escrever aqui. Eles estão sempre lá, fazem parte do serviço, são uma espécie de companhia e a garantia de uma animada conversa. Que seria do Adérito Barbeiro sem o Sr. Rato, o Sr. Frederico ou o Sr. Ferraz?! Cortava o cabelo, mas não era a mesma coisa...;
- Os insultos pessoais são permitidos e amplamente utilizados, não com o objectivo de ferir, humilhar ou diminuir o insultado, bem pelo contrário, são formas carinhosas de manifestar amizade, cumplicidade;
- existe livro de reclamações, mas nunca foi utilizado, nem será, porque nunca haverá nada para reclamar;
- No final, poderemos contar sempre com a pergunta: Que tal? está bem?! - Sabendo que invariavelmente a resposta será: 5 estrelas!!!
Bem hajas, Adérito!!!
1 comentários:
É sempre bom saber que ainda existe quem valoriza as pequenas coisas da vida.....são esses momentos que nos recheiam. Por vezes essas pessoas nem sabem a importância que têm para nós.
Adorei as suas palavras.
É pena que nos cabeleireiros femininos essa cumplicidade não exista...
Continuação de boas podas ;-)
MC
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