Reflexões...

Hoje, a prioridade na agricultura continua a ser o aumento de produção industrial, sob o mote “cultivar e produzir alimentos com um custo ambiental mais baixo”. A percepção de que há um probelma do lado da oferta de alimentos é altamente questionável. A fome e a má nutrição estão sobretudo relacionadas com falta de poder de compra ou a incapacidade de ser auto-sustentável (em cenários de destruição total de recursos, o que inviabiliza a agricultura).

As questões de segurança alimentar e a sua resolução prendem-se sobretudo com a capacitação dos mais pobres para atingir a soberania alimentar. Para além disso, a crescente procura de biocombustíveis, alimentos concentrados para animais, uma dieta excessivamente baseada em carne e sobretudo o enorme desperdício alimentar (metade do que é produzido vai para o lixo) são por nós assumidos, enquanto sociedade, como factos adquiridos, ao invês de nos desafiar a encontrar soluções mais racionais para resolver estes problemas. Desta forma poderiamos resolver boa parte do problema da alimentação no planeta.

Patenteamos sementes, conferindo propriedade intelectual ao que ontem era património da humanidade. Mais de 70% do que consumimos provem de sementes com propriedade intelectual, nas mãos de uma dezena de gigantes mundiais Este é o maior negócio da humanidade.

A transformação radical da forma como produzimos é já um dos maiores desafios para o futuro da humanidade, e está directamente relacionada com:
  • Segurança nacional e internacional (conflitos relacionados com o acesso aos recursos escassos); 
  • Exponencial crescimento da população, sobretudo em regiões com menores recursos;
  • Alterações climáticas;
  • População envelhecida na agricultura; 
  • Acesso à água potável;
O mundo precisa de uma mudança de paradigma no desenvolvimento da agricultura actual. Isto implica uma mudança para sistemas de produção holísticos, de uma agricultura convencional, baseada em monoculturas e totalmente dependente de factores de produção externos (adubos, pesticidas de síntese), para sistemas de produção policulturais, mosaicos de sustentabilidade, regenerativos, que ajudem a aumentar e tornar mais eficiente a produtividade dos pequenos e médios agricultores.

Precisamos rapidamente de mudar de um sistema linear de produção, para um sistema holístico na gestão da produção agrícola, que reconhece que o agricultor não é um mero produtor de alimentos, mas acima de tudo é um gestor de um complexo sistema agro-ecológicco, que providencia um enorme número de produtos e serviços de utilidade pública (água, solo, paisagem, energia, biodiversidade). É ainda um técnico de saúde humana, quando produz alimentos funcionais, cheios de taninos, antioxidantes, flavonóides e outros, compostos que funcionam tantas vezes como preventivos em diversas doenças graves.

Alguns elementos-chave na mudança de paradigma:
  • Diminuição da pecuária; 
  • Mudança radical na dieta (comer muito menos carne);
  • Inclusão de árvores no agro-sistema e não a sua segregação;
  • Inclusão da vegetação espontânea; 
  • Optimização dos fertilizantes orgânicos e inorgânicos, sobretudo com a valorização do desperdício.
Com o nosso comportamento (Cantinho das Aromáticas) ao longo dos últimos 12 anos, já fazemos parte da solução, praticando uma agricultura biológica urbana, de proximidade, criamos um complexo sistema holístico.

Não basta propor mudanças individuais de comportamentos. Hoje o desafio é mais do que reciclar ou ter um carrro híbrido. O mundo está a mudar rapidamente e muitos acham que é ficção cientifica o que acontece à nossa volta, o que nos leva tantas vezes a passar demasiado tempo a tentar resolver problemas fictícios.

O derradeiro poder está nas decisões que cada um de nós toma, todos os dias, quando decide comprar, consumir alimentos. Se em conjunto elegermos alimentos provenientes de formas sustentáveis de produção, podemos mudar o destino da humanidade.

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