O adeus ao Mestre Oliveira

A obra e vida de Manoel de Oliveira tem intersecções  marcantes com a minha própria vida. Começa pelo filme Aniki Bobó, exibido vezes sem conta durante a minha infância, pela mão de meu pai, nascido e criado na Sé do Porto. 

O filme é uma espécie de súmula da sua infância pelas ruas da zona histórica da cidade. Viveu na mesma casa, no mesmo quarto onde o menino vai oferecer a boneca à menina numa das cenas marcantes do filme. Sempre vibramos com as histórias de infância do meu pai, as mesmas que Oliveira retrata nesta maravilhosa obra a preto e branco. De tal forma que às vezes o menino do filme afinal era o meu pai, que estava ali mesmo ao meu lado!!!

Mais tarde, em 1998, volto a cruzar-me com Oliveira, desta vez em carne e osso, nas filmagens de "Inquietude", na Casa e Jardins de Serralves, onde desde 1997 ocupava o cargo de Encarregado Geral dos Jardins. Foi-me destinado acompanhar toda a equipa que durante alguns dias ocupou o jardim do século XIX, mesmo ao lado da Casa e fazer de elo de ligação para facilitar tudo o que fosse necessário da parte de Serralves, para ajudar na produção. 

Recordo momentos incríveis, que nunca esquecerei durante esses dias luminosos!!! Os almoços demorados ao ar livre, à mesa com toda a equipa, ficar corado perante todos com os piropos da Rita Blanco, um passeio demorado pelos jardins com a belíssima Leonor Silveira... e a imponência do grito do mestre no início de cada take... Ação!!!

Em 2007, já agricultor e empresário há 5 anos, foram 2 filmes de Oliveira que enviei por correio para França, para o meu primeiro cliente de ervas aromáticas, quando demos início à exportação para aquele país.

Volto a cruzar-me com a obra de Oliveira em 2011, no famoso Vondelpark, em Amesterdão, cidade que estava demoradamente a conhecer pela primeira vez e onde passei os últimos dias desse ano. Foi na sala de cinema do parque que vi o filme "O Estranho Caso de Ângélica" e me apercebi da enorme popularidade deste homem e da sua obra no país dos que conquistam terra ao mar...

De tal forma me marcou este filme, que no final e depois de uma longa tertúlia sobre o mesmo, escrevi o seguinte post:

Oliveira e a Agricultura
"Depois de numa bela sala de cinema em Amesterdão, entre amigos, ter visualizado o filme de Manoel de Oliveira, O Estranho Caso de Angélica, em conversa amena após o filme (com uma garrafa de branco a mistura), surgiu uma brilhante conclusão:
“Nós agricultores somos parte da resistência, parte daquela minoria que não se conforma com o que de pior se faz neste ainda maravilhoso mas finito planeta, mas que FAZ com as suas PRÓPRIAS MÃOS algo em prol da mudança!!!”
Tão líquido, fluído e resistente como um filme de Oliveira!!! Sem estórias, só com gestos e ações!!! Espero que muitos mais se nos possam juntar no ano que se adivinha!!! Bom 2012 para todos, especialmente para quem se tomar de coragem para se juntar a esta resiliente resistência!!!"
 Em 2013 fui co-autor do livro Erva uma Vez. Na habitual biografia, escrevi
"Nasci e cresci no Porto, cidade que amo profundamente, no seio de uma família grande, sem ligações à agricultura. O Aniki Bóbó do Oliveira fez-me sonhar com a miúda bonita e o Sousa Veloso mostrou-me a Vida Rural. Ficava durante longos períodos pendurado na montra da Sementeira do Alípio Dias, fascinado com as últimas novidades em bolbos e afins.".....
Hoje despeço-me de si, Manoel de Oliveira, homem do Porto, do Mundo. Agradeço-lhe todos os momentos incríveis que me proporcionou ao longo da minha vida, quer através da ficção das suas obras, quer na realidade palpável dos dias longos em que consigo pude conviver... Até à reunião!!!

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