Herbicida e saúde
Ao longo de quase 20 anos de carreira profissional como agrónomo, sempre como técnico de campo, tive o enorme privilégio de conviver com homens e mulheres notáveis, que se foram cruzando ao longo do meu percurso e o enriqueceram de uma forma extraordinária.
Nos jardins do Parque de Serralves, fui entrevistado e aprovado como encarregado geral pelos 2 administradores da altura, o Sr. Fernando Guedes, da Sogrape, e o Dr. Rocha e Melo, um distinto neurocirurgião do Porto.
Ao longo do tempo, desenvolvi com cada um deles uma grande amizade, sobretudo porque tínhamos paixões em comum: a jardinagem e a agricultura.
O médico Rocha e Melo vinha de propósito a Serralves para fazermos longos passeios no jardim, onde debatíamos técnicas de poda de fruteiras, variedades de camélias e roseiras, fertilização e correção do solo, tratamentos fitossanitários, entre muitos outros assuntos de cariz botânico e agronómico.
Longos eram os almoços, de intenso e detalhado debate, ora no Círculo Universitário do Porto ou na Casa de Chá de Serralves, até se decidir qual a mistura adequada para o prado que se pretendia instalar ou a localização adequada para aquela árvore que se havia decidido plantar.
Passei também muitas horas na sua Quinta em Penafiel, onde com a equipa de trabalho, ajudava a delinear o melhor plano de manutenção da propriedade.
Era um homem inteligente, muito afável e culto, que se foi convertendo à agro-ecologia, pelas mãos e entusiasmo de um jovem agrónomo. Dizia-me frequentemente que "um médico que só sabe medicina nem medicina sabe." Sempre soube que esta máxima tem igual repercussão em agricultura, como na vida que merece ser vivida.
Nunca o esquecerei.
Na realidade, ao longo do meu percurso cruzei-me com dezenas de médicos, profissão que sempre marcou presença nas minhas salas de aula ao longo de 15 anos consecutivos a percorrer o país, partilhando tudo o que sei e fui aprendendo diariamente sobre plantas.
Percebi, de uma forma estatística, que em muitos médicos há uma espécie de agrónomo (muitas vezes reprimido...).
Posso afirmar de forma segura que médicos e agrónomos tem muito mais em comum do que a maioria pensa. Os médicos de outrora eram grandes conhecedores da etnobotânica e utilizavam as plantas e as sua múltiplas propriedades para tratar os seus pacientes.
No século passado, a indústria química instalou-se ao serviço da medicina e assumiu o seu monopólio até aos dias de hoje. O mesmo aconteceu com a agricultura convencional, que se industrializou. Por algum tempo, as duas áreas de trabalho foram-se construindo de costas voltadas.
Neste novo século é cada vez mais consensual a importância de uma abordagem holística, quer na agricultura, quer na saúde. São dois campos de trabalho completamente dependentes um do outro.
Agricultura e medicina são hoje áreas de saber e conhecimento intersectantes. Agricultores e médicos são técnicos de saúde humana, ao serviço de uma nova forma de estar no planeta, que todos esperam mais consciente e sustentável.
Em Julho de 2014 fui convidado para dar uma palestra numa conferência internacional sobre medicina complementar, no auditório do hospital de Santo António, no Porto. Já perdi a conta às inúmeras palestras em faculdades de farmácia e ciência e nutrição. Na próxima semana, serei um dos palestrantes numa conferência sobre hipertensão, num outro hospital da cidade.
Ao ler este artigo do bastonário da Ordem dos Médicos, Dr. José Manuel Silva, mesmo sem o conhecer pessoalmente, quase que nos consigo imaginar num longo passeio, conversando sobre jardins, agricultura e saúde. Afinal de contas, somos colegas!!!
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