Castores, ursos e o futuro das florestas
Nas fendas do tempo, nas rugas da paisagem, repousam sementes à espera de despertar. Entre raízes expostas, o musgo embebe-se de orvalho, como quem espera que o dia lhe desperte a cor. As ribeiras, quando as deixamos correr, voltam a cantar com a pressa de quem tem sede de vida.
A floresta autóctone permanece à espreita, como memória viva e promessa futura. Basta afastar o ruído, devolver-lhe o chão e a sombra, e ela responde: ergue-se, recomeça, cobre de verde o que estava esquecido.
E já há sinais de que a vida regressa. O castor europeu, desaparecido do território desde o final do século XV, voltou a ser avistado junto à fronteira com Espanha. Marcas de dentes em árvores, margens remodeladas, um exemplar jovem nadando no Parque Natural do Douro Internacional.
São sinais de que os rios começam a recuperar os seus engenheiros naturais. Este castor, que constrói diques e segura as águas, é mais do que um mamífero. É arquiteto de ecossistemas, escultor de margens, guardião da fertilidade dos campos alagados. Com ele regressam anfíbios, aves, insetos e plantas ripícolas, toda uma rede de vida que depende de cursos de água estáveis e margens vivas.
E se o castor já ousa ser bem-vindo, por que não preparar o palco também para o regresso do urso pardo? O último registo histórico de um urso em Portugal data de 2 de dezembro de 1843, na serra da Mourela, no Gerês.
A sua extinção não se deveu tanto à caça, mas à destruição do habitat e à fome que daí resultou. As florestas foram cortadas ou queimadas, os vales ficaram desertos, os frutos silvestres rarearam e os favos desapareceram.
E o urso pardo é sobretudo frugívoro: alimenta-se de mirtilos, framboesas, medronhos, sabugueiros, de bolotas, castanhas e avelãs no outono, de raízes e rebentos na primavera, de insetos, mel e, por vezes, de pequenos animais ou carcaças.
Precisa de florestas vivas e em mosaico, com clareiras, matos e árvores produtoras de fruto ao longo do ano. Sem essa abundância, o urso não sobrevive.
Em maio de 2019 foi confirmada a presença de um urso pardo adulto no Parque Natural de Montesinho, vindo da população cantábrica. Foi a primeira vez, em quase dois séculos, que se documentou com rigor um urso em território português. Mas esse regresso foi breve. O animal seguiu viagem. Não encontrou alimento suficiente nem habitat seguro que lhe permitissem permanecer.
Restauro ecológico é palavra que parece utopia, mas pode ser alicerce do futuro. É devolver às serras as árvores que eram nossas, permitir que a vegetação autóctone recupere forma e espessura, restaurar solos, reconectar ravinas, criar corredores ecológicos que liguem fragmentos e preparem zonas de tranquilidade onde o urso possa viver.
Imagino bosques de castanheiros, carvalhos e amieiros. Veias de água límpida a correr nas encostas, margens vivas, vegetação de urze e loureiro, de sobreiro e azinheira. Um bosque que ofereça bagas e frutos no final do verão, cogumelos no outono, mel no sopé das árvores, prados floridos na primavera.
Sítios onde os ursos possam encontrar alimento e refúgio. Com florestas assim, a biodiversidade teria espaço para se recompor. E quando um urso viesse da Cantábria ou das Astúrias, encontraria comida, sombra e segurança.
Hoje, porém, se um urso entra em Portugal não tem escolha senão partir. Se ficar, morre de fome. As florestas são ainda demasiado fragmentadas, as monoculturas de pinheiros e eucaliptos são pobres em alimento, os incêndios devoram o pouco que resta.
Precisamos de devolver complexidade ao território, reduzir a recorrência do fogo, permitir que a floresta recupere maturidade e diversidade.
Há, no entanto, sinais de esperança. Um estudo recente com dezenas de investigadores, gestores florestais, criadores de gado e organizações locais mostra que a maioria vê o regresso do urso como algo positivo e provável nos próximos anos.
Muitos dizem sentir-se seguros e dispostos a adaptar práticas para coexistir com o animal. Este apoio social é tão importante quanto o restauro da paisagem, porque sem aceitação humana o urso não poderá regressar.
O reaparecimento do castor é o primeiro capítulo desta história. Mostra que é possível restaurar ecossistemas, que a natureza responde quando lhe damos espaço e tempo. Mostra que ribeiras podem ser vivas e margens férteis.
Podemos, com o restauro ecológico das áreas protegidas e da matriz florestal, preparar o regresso de espécies emblemáticas como o urso pardo. Podemos devolver lar a quem dele precisa e, ao fazê-lo, devolver vida ao território.
Se quisermos assistir ao regresso dos ursos a Portugal, temos de restaurar a floresta autóctone como quem semeia tempo para colher amanhã.
Não apenas para salvar o urso, mas para nos salvar a nós: das secas, da erosão, do abandono. O castor que regressa pode ser prelúdio de uma nova floresta, prenúncio de uma aurora em que os ursos, um dia, voltem a deixar pegadas no nosso território.
A floresta autóctone permanece à espreita, como memória viva e promessa futura. Basta afastar o ruído, devolver-lhe o chão e a sombra, e ela responde: ergue-se, recomeça, cobre de verde o que estava esquecido.
E já há sinais de que a vida regressa. O castor europeu, desaparecido do território desde o final do século XV, voltou a ser avistado junto à fronteira com Espanha. Marcas de dentes em árvores, margens remodeladas, um exemplar jovem nadando no Parque Natural do Douro Internacional.
São sinais de que os rios começam a recuperar os seus engenheiros naturais. Este castor, que constrói diques e segura as águas, é mais do que um mamífero. É arquiteto de ecossistemas, escultor de margens, guardião da fertilidade dos campos alagados. Com ele regressam anfíbios, aves, insetos e plantas ripícolas, toda uma rede de vida que depende de cursos de água estáveis e margens vivas.
E se o castor já ousa ser bem-vindo, por que não preparar o palco também para o regresso do urso pardo? O último registo histórico de um urso em Portugal data de 2 de dezembro de 1843, na serra da Mourela, no Gerês.
A sua extinção não se deveu tanto à caça, mas à destruição do habitat e à fome que daí resultou. As florestas foram cortadas ou queimadas, os vales ficaram desertos, os frutos silvestres rarearam e os favos desapareceram.
E o urso pardo é sobretudo frugívoro: alimenta-se de mirtilos, framboesas, medronhos, sabugueiros, de bolotas, castanhas e avelãs no outono, de raízes e rebentos na primavera, de insetos, mel e, por vezes, de pequenos animais ou carcaças.
Precisa de florestas vivas e em mosaico, com clareiras, matos e árvores produtoras de fruto ao longo do ano. Sem essa abundância, o urso não sobrevive.
Em maio de 2019 foi confirmada a presença de um urso pardo adulto no Parque Natural de Montesinho, vindo da população cantábrica. Foi a primeira vez, em quase dois séculos, que se documentou com rigor um urso em território português. Mas esse regresso foi breve. O animal seguiu viagem. Não encontrou alimento suficiente nem habitat seguro que lhe permitissem permanecer.
Restauro ecológico é palavra que parece utopia, mas pode ser alicerce do futuro. É devolver às serras as árvores que eram nossas, permitir que a vegetação autóctone recupere forma e espessura, restaurar solos, reconectar ravinas, criar corredores ecológicos que liguem fragmentos e preparem zonas de tranquilidade onde o urso possa viver.
Imagino bosques de castanheiros, carvalhos e amieiros. Veias de água límpida a correr nas encostas, margens vivas, vegetação de urze e loureiro, de sobreiro e azinheira. Um bosque que ofereça bagas e frutos no final do verão, cogumelos no outono, mel no sopé das árvores, prados floridos na primavera.
Sítios onde os ursos possam encontrar alimento e refúgio. Com florestas assim, a biodiversidade teria espaço para se recompor. E quando um urso viesse da Cantábria ou das Astúrias, encontraria comida, sombra e segurança.
Hoje, porém, se um urso entra em Portugal não tem escolha senão partir. Se ficar, morre de fome. As florestas são ainda demasiado fragmentadas, as monoculturas de pinheiros e eucaliptos são pobres em alimento, os incêndios devoram o pouco que resta.
Precisamos de devolver complexidade ao território, reduzir a recorrência do fogo, permitir que a floresta recupere maturidade e diversidade.
Há, no entanto, sinais de esperança. Um estudo recente com dezenas de investigadores, gestores florestais, criadores de gado e organizações locais mostra que a maioria vê o regresso do urso como algo positivo e provável nos próximos anos.
Muitos dizem sentir-se seguros e dispostos a adaptar práticas para coexistir com o animal. Este apoio social é tão importante quanto o restauro da paisagem, porque sem aceitação humana o urso não poderá regressar.
O reaparecimento do castor é o primeiro capítulo desta história. Mostra que é possível restaurar ecossistemas, que a natureza responde quando lhe damos espaço e tempo. Mostra que ribeiras podem ser vivas e margens férteis.
Podemos, com o restauro ecológico das áreas protegidas e da matriz florestal, preparar o regresso de espécies emblemáticas como o urso pardo. Podemos devolver lar a quem dele precisa e, ao fazê-lo, devolver vida ao território.
Se quisermos assistir ao regresso dos ursos a Portugal, temos de restaurar a floresta autóctone como quem semeia tempo para colher amanhã.
Não apenas para salvar o urso, mas para nos salvar a nós: das secas, da erosão, do abandono. O castor que regressa pode ser prelúdio de uma nova floresta, prenúncio de uma aurora em que os ursos, um dia, voltem a deixar pegadas no nosso território.

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