Em busca dos gigantes verdes de Portugal

Ao longo dos anos tenho vindo a construir um santuário emocional de gigantes verdes, anciãos centenários que se impõem na paisagem. Não são exemplares quaisquer: são testemunhas de séculos de história, mestres silenciosos que nos ensinam a contemplar o tempo.

Sempre que parto em família à procura destes veneráveis sinto que me embrenho num capítulo vivo da História. Cada viagem é um rito de passagem, cada encontro um diálogo sem palavras com um ser que já viu reinos nascer e impérios ruir.

Quando me deparo com os castanheiros seculares de Vilar de Perdizes, sinto o peso de gerações que ali encontraram sombra e sustento. Ao tocar o tronco rugoso do carvalho de Calvos, provavelmente o mais antigo da Península Ibérica, sinto que o tempo abranda e me convida a ficar em silêncio, como ele.

Junto à oliveira do Morgado de Quintão, plantada no tempo dos romanos, imagino legiões a atravessar o território, camponeses a cuidarem da terra, o azeite a alimentar gerações inteiras.

Esta árvore é testemunha da chegada dos mouros e de D. Afonso Henriques a conquistar e a fundar o país. Guarda no corpo cicatrizes de batalhas, de tempestades e secas, e persiste com uma dignidade que comove.

Transporto a família nestas viagens e são sempre os melhores dias para mim, quando consigo partilhar com eles o fascínio de encontrar um destes gigantes.

A geografia ensinou-nos, pela mão de Orlando Ribeiro, que Portugal é uma charneira entre dois mundos, o Mediterrâneo e o Atlântico, lugar de transição e encontro. As nossas árvores são também símbolo dessa charneira: oliveiras e sobreiros que respiram Mediterrâneo, carvalhos e castanheiros que nos ligam ao Atlântico húmido. Viajar para conhecer estas árvores é uma forma de percorrer essa geografia, de compreender o mosaico de climas, solos e culturas que compõem o país.

Hoje é possível planear estas viagens de forma simples e rigorosa. O Registo Nacional de Arvoredo de Interesse Público, mantido pelo ICNF, está disponível em formato aberto no portal dados.gov.pt e no geocatalogo.icnf.pt, permitindo localizar cada árvore classificada.

A legislação em vigor, assente na Lei 53/2012 e na Portaria 124/2014, traça critérios claros para proteger o arvoredo de interesse público, incluindo uma zona de resguardo de cinquenta metros em redor de cada exemplar classificado. A Lei 59/2021 regula o arvoredo urbano e assegura que também nas cidades estes guardiões verdes não são esquecidos.

Existem rotas criadas para facilitar esta descoberta. A Via Algarviana traçou uma Rota das Árvores Monumentais em Monchique, verdadeira catedral vegetal no coração da serra, com percursos bem definidos que atravessam exemplares de porte notável.

Em Mouriscas, no concelho de Abrantes, está em preparação a Rota das Oliveiras Centenárias, que já proporciona caminhadas demonstrativas por olivais milenares, envolvendo proprietários locais e padrinhos na preservação de árvores com milhares de anos.

O portal florestas.pt apresenta mais de quinhentos exemplares ou conjuntos notáveis identificados de Norte a Sul, alguns já acessíveis ao público, convidando cada viajante a desenhar o seu próprio roteiro de descoberta.

A Associação VERDE dá visibilidade a gigantes verdes e luta para que mais árvores recebam o estatuto de classificadas, inspirando comunidades a protegê-las.

No plano internacional encontramos exemplos notáveis. O Ancient Tree Inventory no Reino Unido convoca milhares de voluntários para mapear e registar árvores antigas e veteranas, numa verdadeira obra de ciência cidadã que inspira educação ambiental e desperta interesse turístico.

Organizações como a FAO, a IUCN e a BGCI recordam-nos, com a força da evidência científica, que as árvores mais antigas são insubstituíveis: concentram biodiversidade, regulam o clima local, armazenam carbono e sustentam o bem-estar das comunidades.

Estudos económicos em áreas protegidas demonstram que o turismo de natureza gera emprego, fixa pessoas e dá valor tangível ao território. Se bem gerido, o turismo em torno destas árvores devolve receitas para a sua conservação, promove o comércio local e enriquece a cultura de quem visita.

Viajar à procura destas árvores é mais do que um passeio. É um ato de cidadania. É levar as crianças a aprender história e biologia com os pés na terra, é estimular a economia local, é criar laços de identidade. É respeitar o silêncio das raízes e perceber que há coisas que não podem ser apressadas. É um turismo lento, de olhos bem abertos, que exige mapas, botas e tempo para parar e ouvir o vento.

Gostava que cada município e cada empresa se debruçassem demoradamente sobre as suas árvores notáveis e dessem o passo de as classificar, para que não se percam com a próxima obra ou tempestade.

É simples: basta instruir um pedido junto do ICNF, apresentar medições e relatórios técnicos, e se aprovada a classificação, a árvore passa a ter estatuto de interesse público e proteção legal. É uma forma de garantir que estes guardiões de sombra continuam de pé para encantar os filhos dos nossos filhos.

No final de cada visita sinto-me mais leve. É como se as árvores me emprestassem um pouco da sua paciência e resiliência. Talvez seja por isso que continuo, ano após ano, a procurar novas, a regressar às que já conheço, a escrever sobre elas.

Para que mais pessoas as encontrem, para que mais crianças as abracem e para que, um dia, possamos contá-las por milhares, de pé, vivas, veneradas, guardiãs silenciosas do tempo.
 
 






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