Fruteiras silvestres: as sorveiras

No país onde se cuidam alguns dos meus jardins favoritos, muitos deles entre os mais bonitos e visitados do mundo, não há cidade, parque urbano, jardim residencial ou escola onde não surja pelo menos uma sorveira-dos-passarinhos (Sorbus aucuparia), também chamada tramazeira ou cornogodinho.

Esta pequena árvore autóctone cresce espontaneamente no norte e centro de Portugal, nas orlas de bosques caducifólios, pinhais e matagais, quase sempre em zonas montanhosas das serras do Gerês, Cabreira, Larouco, Montesinho, Roboredo e Estrela.
 
Adoro o nome que lhe dão os britânicos, mountain ash, freixo-da-montanha, pela semelhança das folhas com as do freixo e pela preferência que tem por altitudes elevadas.

Quem diria que uma árvore de montanha poderia ser uma das melhores opções para cidades? As suas copas são elegantes, raramente ultrapassam os 15 metros, a floração é espetacular e, quando frutificam, notamo-las a quilómetros de distância.

Os pássaros chegam primeiro, atraídos pelas pequenas “maçãs” alaranjadas que pendem em cachos e que lhes fornecem alimento no outono e inverno. A tramazeira cresce rápido, lança raízes profundas, fixa os solos e ajuda a prevenir a erosão, qualidades valiosas em tempos de extremos climáticos.

Em Portugal continental, além da tramazeira, existem mais três espécies autóctones: a sorveira-branca (Sorbus aria), a sorveira-de-folha-larga (Sorbus latifolia) e o mostajeiro (Sorbus torminalis).

Todas estão em risco, sendo a primeira considerada criticamente em perigo, a segunda vulnerável e a terceira também vulnerável. Nas serras da Madeira, sobrevive em altitude a raríssima sorveira-da-Madeira (Sorbus maderensis), classificada como criticamente em perigo.

Recentemente encontrei uma sorveira-branca no Gerês. Foi um momento emocionante, mas também um alerta. Estima-se que existam menos de 50 indivíduos maduros desta espécie em todo o país, mais de 90% deles concentrados precisamente nesta serra.

A população encontra-se em declínio continuado, sobretudo devido aos incêndios recorrentes que degradam o seu habitat natural, os bosques caducifólios de montanha. É uma árvore belíssima, de folhas prateadas e frutos de tom que vai do laranja ao vermelho escarlate, que merece toda a atenção e proteção possível.

Também encontramos a sorveira (Sorbus domestica), provavelmente naturalizada a partir de pomares antigos. Esta espécie mediterrânica é hoje rara em toda a Europa e tem enorme valor patrimonial, ecológico e genético.

São árvores aparentemente discretas, mas de enorme importância para a biodiversidade. Produzem frutos para aves e pequenos mamíferos, madeira densa e de grande qualidade utilizada em tornearia, instrumentos musicais e cabos de ferramentas.

Delas foi isolado o ácido sórbico, conservante alimentar que ainda hoje leva o seu nome, e é possível produzir sorbitol, um adoçante de uso corrente.

Têm também lugar na medicina tradicional: os frutos, quando bem sorvados, foram usados para tratar diarreias, gastrites e hemorroidas. Produzem compotas e geleias de sabor intenso e até bebidas fermentadas tradicionais.

Os frutos crus podem ser consumidos em pequenas quantidades, mas apenas quando estiverem sorvados, bem maduros e já com sinais de alguma fermentação. Antes desse estado, devem-se evitar ou processar por calor, pois os frutos crus contêm compostos que podem causar irritações ou desconforto. 
 
Depois de bem sorvados ou cozinhados, a toxicidade desaparece praticamente, tornando-se seguros e saborosos para consumo.

O que mais impressiona é a sua versatilidade: são árvores com um potencial ornamental extraordinário, resistentes, amigas da fauna e com provas dadas em centenas de cidades europeias. Mesmo assim, vão rareando no nosso território, lembrando-nos que estamos a falhar na sua proteção e regeneração.

É urgente agir. Devemos integrar estas espécies em programas de restauro ecológico, em projetos de arborização urbana, em corredores de biodiversidade e em viveiros florestais.

Reforçar populações naturais, usar material genético local e travar a poluição genética com plantações de origem incerta. Salvar estas árvores é salvar uma parte única da nossa paisagem, da nossa memória ecológica e dos serviços que prestam à sociedade. 
 
O futuro das sorveiras em Portugal dependerá das escolhas que fizermos hoje. Que elas voltem a ocupar o seu lugar nas nossas serras, nos nossos parques e até nas nossas ruas, para que as próximas gerações ainda possam admirar as suas flores brancas na primavera e os seus frutos de fogo no outono.

Sonho criar um jardim de fruteiras silvestres, com todas as sorveiras e outras espécies, vivo e aberto, onde crianças, agricultores e investigadores possam ver de perto estas árvores, provar-lhes os frutos e imaginar novas formas de as valorizar.

Que não deixemos estas árvores desaparecerem da nossa memória nem da paisagem. As sorveiras são farmácia, despensa, abrigo e beleza: perdem-se se as esquecermos, mas podem ser futuro se lhes dermos tempo e lugar. E é esse futuro que precisamos de cultivar hoje.
 

 
Sorveira-branca (Sorbus aria)
 

 
Sorveira-dos-passarinhos (Sorbus aucuparia)

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