Os diamantes não são para sempre

Primeiro, houve árvores que ergueram colunas de hidratos de carbono e lenhina contra a gravidade. Em pântanos lentos, a água guardou-as do fogo e do ar. Caíram folhas, troncos, raízes. A vida recolheu a sua parte, a lama fria guardou o que sobrava.

 

O tempo fechou as páginas e o livro de madeira ficou a amadurecer no escuro. Milhões de anos de silêncio, e a matéria vegetal acumulada nos pântanos tornou-se carvão.

 

Depois formou-se turfa, esponja escura feita de folhas, raízes e troncos. À medida que novas camadas de sedimentos a soterravam, o peso fechava os poros e a pressão e o calor transformavam o húmus em algo novo.

 

A água e os gases escapavam devagar, o carbono permanecia, concentrado como memória. Assim a turfa amadureceu, passo a passo, em lenhite, depois em carvão betuminoso e por fim em antracite, até se tornar quase puro carbono, uma biblioteca negra onde ainda se reconhecem as sombras das florestas que a originaram.

 

Num outro teatro, muito abaixo, o mundo respira com a paciência geológica que transforma madeira em pedra negra. A pressão abrevia histórias. Iões de carbono encontram caminhos em fluidos quentes e, em câmaras sem luz, cristalizam em redes perfeitas.

 

Os diamantes formam-se onde a vida não chega e aguardam boleia nos magmas raros que por vezes irrompem como mensageiros das profundezas. Quando arrefecem, deixam uma assinatura azulada na geologia e um brilho que cabe na palma da mão.

 

Carvão e diamante são parentes no alfabeto do carbono. O primeiro é coro de vozes vegetais comprimidas pelo peso do tempo e da água. O segundo é uma sílaba pura forjada no silêncio mineral.

 

Entre ambos, a lenhina serviu de armadura às árvores e de enigma à decomposição, até que ao cabo de milhões de anos a vida forjou chaves enzimáticas em fungos ancestrais capazes de desfazer aquela couraça vegetal. E, mesmo assim, certas combinações de clima e terra insistiram em guardar consigo uma parte daquele verde antigo, para nos lembrar que o planeta escreve poesia em escalas que ainda não sabemos ler.

 

Os diamantes, pelo contrário, permaneceram incólumes à vida, viajantes imperturbáveis do manto profundo, até encontrarem nos seres humanos um improvável parceiro, entre todas as formas de carbono, que os trouxe à luz e os transformou em símbolo de eternidade.

 

O valor é uma casa de espelhos. Uma coisa tem preço quando a olhamos de frente e outra quando lhe vemos o rasto no mundo. O diamante brilha como um sol portátil e por isso procuramo-lo como quem persegue uma promessa. Mas o carbono vivo não promete, cumpre - transforma luz em sombra fresca e alimento.

A filosofia distingue valor instrumental e valor intrínseco, o que serve e o que é fim em si mesmo, a ética ambiental convidou a natureza para dentro deste debate. Talvez o que nos falte seja aprender a viver com esta pluralidade de medidas de valor em vez de reduzir o mundo à bitola estreita do preço.

 

Se levantarmos a cabeça para o céu, descobrimos que os diamantes não são tão raros como o mito de joalharia nos ensinou. Em planetas gigantes, sob pressão e calor, o carbono precipita em diamante como chuva que desce em silêncio para o interior.

 

Cristais formam-se também em meteoritos primitivos e até em estrelas anãs brancas, cujo coração de carbono se solidifica com o tempo. O brilho pode ser comum no universo e ainda assim parecer tesouro raro nos dedos.

 

Já a madeira é outra história. É subproduto de vida complexa, depende de fotossíntese, oxigénio e água em estado líquido, de um planeta com atmosfera estável e luz suficiente. Até onde sabemos, essas condições só se encontram na Terra.

 

No universo conhecido, a madeira é provavelmente mais rara do que o diamante e por isso cada árvore é um testemunho único de que aqui a vida floresceu. A árvore é a tecnologia viva mais avançada que a Terra inventou para moderar o clima, reciclar humidade, abrandar ventos, fixar carbono e acolher outras vidas.

 

É uma fábrica que trabalha sem ruído e sem desperdício, um arquivo de água que sobe pela seiva e regressa ao céu em vapor fino, onde encontra outras massas de ar e se transforma em chuva que recarrega rios e lençóis.

 

Onde há florestas, desce mais água a sotavento e as cidades sofrem menos. O ar fica mais respirável, as temperaturas extremas recuam, os corações humanos agradecem.

 

No que toca ao oxigénio, a ciência exige moderação: os oceanos produzem cerca de metade do oxigénio novo do planeta e, nas florestas maduras, a produção e o consumo tendem a equilibrar-se ao longo do tempo.

 

Mas isso não retira a grandeza das árvores, antes acentua o seu papel como guardiãs silenciosas de ciclos maiores do que a vida humana.

 

Se tentarmos medir a terra com o metro do dinheiro, descobrimos que o dinheiro sozinho não chega. Há instrumentos novos para contar o que antes ficava fora do balanço.

 

Cada vez mais economistas defendem que o capital natural deve entrar nas contas do país e das empresas e que se registem ativos vivos e serviços silenciosos na mesma folha onde já se registam fábricas e estradas. Não é por fetiche numérico.

 

É para que as decisões deixem de gastar o que não podem repor. É também uma questão de justiça. Quem vive junto da floresta sabe que ela não é apenas matéria, é vizinhança, cultura, alimento, clima habitável. Uma pluralidade de valores convoca uma pluralidade de vozes.

 

No fim voltamos ao princípio. O brilho do diamante fica nos olhos. A sombra fresca de uma copa fica no corpo. Um mundo onde a chuva falha, o ar pesa e a terra abre rachas não é um mundo onde nos possamos ver ao espelho com gosto.

 

Por isso defender árvores não é romantismo, é pragmatismo com memória longa. É reconhecer que há coisas cujo valor se mede pelo futuro que tornam possível.

 

A ética da terra pede-nos que alarguemos a comunidade, que tratemos solos, águas, plantas e animais não como mercadoria mas como vizinhos com quem partilhamos casa. A casa é rara no universo. E o que é raro merece cuidado.

 

Shirley Bassey prometeu-nos eternidade em forma de diamante e James Bond levou-nos a acreditar. Os diamantes são apenas o silêncio do carbono, não o tempo sem fim. A vida é o seu grito. Se não soubermos escolher os diamantes que respiram, seremos apenas um instante entre dois brilhos - pó no reflexo da sua luz.

 


 




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