Portugal, recordista Mundial

Portugal é um país maravilhoso durante o ano inteiro. Mas é mais ainda no Verão, porque gostamos de bater todo o tipo de recordes.

Somos conhecidos lá fora pelo maior arroz de lapas do mundo, pela maior sardinhada do mundo, pelo maior assador de castanhas do mundo, pelo maior pão com chouriço do mundo, pelo maior prato de bacalhau do mundo... (quem não acredita, procure no guiness world records, como eu fiz) e a lista não pára, com recordes épicos, que envolvem quase sempre enfardar tudo a que se pode chegar o fogo e cozinhar de alguma maneira.

Seremos talvez os melhores do mundo a enfardar. Talvez por isso sejamos também o país da Europa com maior taxa de hipertensos e obesos.

Somos recordistas pelo maior incêndio do mundo (2017). Matou centenas de pessoas, milhares de animais, e causou muitos milhões de euros de prejuízos.

Os incêndios ocorrem no nosso país pela soma de um conjunto de factores complexos, amplamente discutidos, esmiuçados pela comunicação social, especialistas, associações, governo, público e privados.

É cada vez mais consensual (senso comum para alguns de nós) que uma das principais razões para determos o recorde de maior incêndio do mundo em 2017 é porque também somos detentores de um outro recorde: temos plantada em Portugal a maior monocultura contínua de eucalipto da Europa e uma das maiores do mundo.

Ora este é um tipo de recorde um pouco diferente daqueles que gostamos de superar e exibir mundialmente. Porquê?!

Porque não envolve enfardar e quando arde em valores recorde causa dor, prejuízos avultados, morte e apesar de se fazerem boas brasas, ninguém come no final (isto do ninguém come é relativo, porque a indústria de pasta de papel representa cerca de 6% do PIB nacional...).

Apesar de ser um recorde que gera riqueza e um número recorde para o PIB português, gera também e gerará cada vez mais no futuro, novos recordes de desgraça e miséria, os quais nenhum de nós aspiraria conquistar.

Com a ajuda de recordes cada vez mais altos de temperatura, vento e seca, obviamente, que nisto dos recordes raramente um vem só.

Seria de esperar que ninguém neste país, nem público nem privado, quisesse assumir no futuro, qualquer tipo de responsabilidade em recordes ainda mais negros do que o que conquistamos em 2017. Mas não...

A necessidade nacional por recordes, mesmo que sejam macabros, é por si só um recorde mundial.

Enquanto escrevo, arde a Serra de Monchique, onde estabelecemos um novo recorde (nacional) de meios de combate.

Talvez porque Monchique tenha uma área recorde de plantação de eucalipto, com mais de 70% da área dedicada a esta espécie...

O ano passado foi batido o recorde de plantação de eucaliptos: quase 18 mil e 500 hectares foram ocupados o que corresponde a 86% do total arborizado ou rearborizado.

Um recorde a somar-se a tantos outros que conquistamos, sempre de forma previsível, a roçar o caricato até, não fora trágico.

Um país viciado em eucalipto, quando inalado o fumo da sua queima, causa na população uma euforia intensa e rápida por recordes de Verão. A "floresta" portuguesa é uma gigantesca sala de chuto a céu aberto.

"Fizemos tudo, tudo, tudo o que devíamos fazer... E perdemos tudo à mesma."

"Não se resolve num ano décadas de abandono da floresta", ouve-se e lê-se com frequência...

"Ninguém esperava temperaturas e ventos como os que se fizeram sentir"... frases repetidas vezes sem conta, na expectativa, quem sabe, de mais um recorde... típicas de quem inala eucalipto com frequência...

Os incêndios em Portugal são, para além da soma de um conjunto de factores complexos, amplamente discutidos, esmiuçados pela comunicação social, especialistas, associações, governo, público e privados, um sintoma grave do estado de saúde mental dos portugueses.

Esta nacional obsessão por recordes tem que ser urgentemente tratada e não vai lá com medidas curativas.

O custo do tratamento ultrapassa largamente todos os proveitos gerados pela pasta de papel, nunca teremos capacidade para resolver o problema de forma convencional. Só com uma abordagem holística conseguiremos dar solução e debelar esta epidemia recordista.
 

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