Quem anda a tentar tramar a agricultura biológica?
Recentemente, a revista Visão publicou uma polémica investigação, com uma capa bombástica "Fraude nos Biológicos".
Gerou-se uma enorme discussão pública sobre este assunto e, como habitual nestes casos, foi também gerada informação na mesma proporção da desinformação.
Acima de tudo, esta reportagem proporcionou uma excelente oportunidade para se reflectir sobre agricultura biológica e da sua importância na sociedade actual.
Como fez o meu querido amigo Alfredo Cunhal Sendim, da Herdade do Freixo do Meio, com este excelente texto, que subscrevo integralmente.
"Quem anda a tentar tramar a agricultura biológica?"
"A agricultura biológica é uma pratica ancestral resultante de uma Ética baseada numa atitude de responsabilidade, vivida através do respeito e da cooperação com o nosso planeta e connosco próprios.
Ao longo de mais de dez mil anos, foi este o principio que norteou a lenta tecnologia que se ia desenvolvendo para por cobro à miséria, através da planificação, da modificação e da gestão de agroecossistemas eficientes e por isso perduráveis.
Não parece ser a cooperação o que caracteriza o modelo de Agronegócio desenvolvido no século passado. Este novo modelo, a agricultura industrial a que chamamos convencional, desenvolveu-se sobre o tremendo salto tecnológico e energético que criamos.
Resolveu o problema da fome da 2ª guerra mundial, através de uma nova abordagem agrícola orientada para a especialização e para o aumento de produção unitária.
A partir daqui, a agricultura biológica (AB, agroecologia) foi marginalizada (obrigada a ter que demonstrar que o é?) e esmagada pelos preços baixos provocados pelo aumento desmedido da produção deste novo pacote tecnológico, sem que este aumento na produção de alimentos tenha verdadeiramente contribuído para melhorar a nossa frágil realidade social.
Pelo contrário, quer pelo impacto económico quer pelo social e ecológico, este modelo revela-se dia a dia um problema cada vez maior. O aumento da procura levou o agronegócio a entrar, também, na agricultura biológica.
Qual é a ética que prevalece? A da cooperação ou a da ganância?
Será então que é agricultura convencional os seus interessados e organizações?
Ou serão aqueles que sem viver o conceito tentam tirar partido dele, especulativamente?
Será o próprio Ministério da Agricultura ao nunca ter percebido a importância estratégica deste sector? Como contributo para a resposta atenda-se a forma como este organismo gere e credibiliza (?) os organismos privados de controlo e certificação.
Ou o conteúdo oco da “Estratégia Nacional para a Agricultura Biológica”, que chega com 20 anos de atraso, feito no Uber e à revelia do sector.
Será a própria Agrobio através da atitude autista e autofágica que a caracteriza desde que á anos foi assaltada pelos seus funcionários, afastando-se por completo da realidade e necessidades do sector (mas vivendo à custa dele)?
Será que somos todos nós, os consumidores saciados com a comida barata que a “economia que mata” nos proporciona?
Será a revista Visão, lançando a nódoa e a suspeita sobre todo um sector comprometido, ao não divulgar a identidade dos produtos, locais de venda e do laboratório?
Será a agenda das corporações que dependem do mito tecnológico, cada vez mais difícil de promover racional e emocionalmente?
É curioso o percurso do jornalista Luís Ribeiro: OGM´s são ótimos; Não nos preocupemos com o Ambiente que não vale a pena; E agora, é você o palerma que paga para ser enganado no bio?
Será o senhor investigador e ex-bastonário da ordem dos biólogos, bastião da ética para vida, Pedro Fevereiro ao afirmar sem citar fontes que agricultura biológica não pode alimentar o mundo?
O que nós hoje sabemos é que a agricultura industrial não o alimentará certamente, leia-se por exemplo o relatório A/HRC/25/57 das ONU de Olivier de Shutter.
Porque será que este reputado professor de tecnologia química nos quer impingir, do alto do seu estatuto, a ideia de que tudo é natural, que tudo é bom, que tudo dá igual, que todos os modos de produção são extraordinários e que as consequências dos mesmos para o ambiente, para a nossa saúde, para a dignidade da população humana,..., são inócuas?
Intuo que no fim dos tempos a ética que está por trás da criação do projeto vida, a que pertencemos, prevalecerá. A ética da Responsabilidade, do respeito e da cooperação.
Até lá, que venham todos! Desde que seja para evoluir...."
Alfredo Cunhal Sendim
Agricultor
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