Ir às malvas

Nestes primeiros dias de Primavera, é muito provável que se cruze com elas pelos caminhos de Portugal. No nosso território existem várias espécies, uma das primeiras a florir é a malva-silvestre (Malva sylvestris).
 
São plantas ruderais (do latim ruderis: "entulho") designação atribuída às comunidades vegetais que se desenvolvem em ambientes fortemente perturbados pela ação humana, como sejam cascalheiras, depósitos de entulho, aterros, bermas de caminhos e espaços similares.
 
Em alguns lugares são tão comuns que há mesmo quem as insulte, chamando-lhes daninhas. Uma infeliz injustiça, sintoma da terrível condição patológica de que padece a humanidade, e que alastra como uma pandemia, a cegueira vegetal.
 
Já na antiguidade esta planta era muito utilizada para tratar problemas do foro digestivo, sendo sobretudo usada para combater casos de inflamação e de irritação e até tosse.
 
A lista de virtudes terapêuticas, muitas delas devidamente comprovadas pela moderna ciência farmacêutica, é deveras impressionante.
 
Todas as partes da planta têm propriedades terapêuticas, no entanto é nas suas folhas e flores que se concentram flavonoides e mucilagens, em boa parte responsáveis pelos seus efeitos farmacológicos.
 
As mucilagens são um dos principais componentes responsáveis pelos efeitos terapêuticos da malva, essencialmente devido à sua atividade de supressão da tosse.
 
É sobre esta esplêndida virtude das malvas, que no Porto se designa por: TIRAR A TOSSE, que a/o pretendo elucidar. A expressão “Tirar a tosse” (matar/castigar) sempre foi das minhas favoritas e ainda é muito utilizada na cidade. Mas já lá vamos.
 
Sabia que, quando alguém a/o MANDA ÀS MALVAS, está na realidade a pedir-lhe que vá passear para a Torre dos Clérigos?!
 
No conjunto dos Clérigos, composto pela igreja, torre e o edifício intermédio, funcionou em tempos idos o antigo hospital dos “clérigos pobres“.
 
Foi construído numa estreita faixa de terreno, que ficava da parte de fora da muralha fernandina, e a que se dava o nome de “campo das malvas“.
 
Antes da construção dos Clérigos (1732 – 1748), era nesse descampado que se enterravam os malfeitores, os ladrões e assassinos, que espiavam as suas culpas na forca.
 
Naquele tempo os enterramentos faziam-se, como era da tradição, no interior das igrejas. Mas um enforcado não tinha direito a ser enterrado no solo sacrossanto de um templo.
 
Abriam – lhe a cova num sítio maninho, ou numa encruzilhada de caminhos, e aí o sepultavam, como se fazia com os animais. Aqui, no Porto, os facínoras eram enterrados no “campo das malvas“.
 
Conta-se que, certa ocasião, ali foi sepultado o corpo de um jovem cordoeiro que fora enforcado por ter assassinado, à navalhada, um outro jovem que lhe andava a requestar a namorada. O povo, a propósito do crime, inventou uma cantilena que era entoada aí pelas ruas do burgo.
 
Dizia assim: “Ai Jesus que vou para as malvas / caminhando pelas urtigas / vão os rapazes para a forca / por causa das raparigas.” Aquela expressão popular de “mandar para as malvas “tem a ver com tudo isto. Significa mandar para a morte mais ignominiosa.
 
Ainda hoje são bastante populares as expressões: “mandar às malvas” (mandar bugiar, desfazer-se de) ou “ir às malvas” (ir para o cemitério, morrer, frustrar-se, ir bugiar).
 
Se por estes dias a/o mandarem às malvas, agradeça. O campo das malvas é, nos dias de hoje, um dos cartões de visitas mais procurados do Porto. 
 
É pouco provável que encontre uma destas plantas em flor, domina o granito. Se quer que lhe tirem a tosse, procure-as em lugares mais seguros para colher. 
 
Plantas de muitos caminhos, daninhas para os cegos, remédio para a tosse dos enfermos, foram durante séculos, por sua força e vontade, flores da sepultura de malfeitores, ladrões e assassinos.
 

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