Nasci e cresci no coração do Porto, até aos 15 anos, altura de me embrenhar nos estudos que levaram a viver mais próximo do mundo rural.
No entanto o mundo rural chegava todos os dias à cidade. Tenho bem presentes as memórias de tantos destes homens, chegados do campo, distinguiam-se entre a multidão sobretudo pelos seus bonés e chapéus, acessórios de moda não muito comuns entre os urbanos nas décadas de 80 e 90.
A cidade sempre os teve como parolos (saloios nas cidades a sul do Mondego), adjetivo utilizado habitualmente como insulto, classificando alguém como rural, com pouca educação.
Mera ilusão. Os parolos sempre estiveram entre nós.
Desaguavam na Estação de São Bento ou na Central de camionagem da Batalha, vindos de todo o Norte de Portugal.
Calcorreavam a Rua Mouzinho da Silveira, à procura da melhor batata-semente, na Moysés Cardoso & C.ª ou das melhores sementes de hortícolas e das últimas novidades em bolbos, na Alípio Dias & Irmão. Ou de peças para as bombas de rega, na Motocapucho.
Percebia-se alegria quando se aventuravam pela Rua das Flores, numa das muitas ourivesarias, à procura de um anel ou brincos, para oferecer a quem lá na terra lhes havia roubado o coração.
Havia tristeza no olhar daqueles a quem a terra cobrou o ouro, à porta da casa de penhores.
Era nesta rua que se forneciam dos mais finos lençóis, linhos e acolchoados que o dinheiro podia comprar.
As melhores porcas e outras ferragens, ferramentas e utensílios, vinham das lojas especializadas da Rua do Almada.
Alguns não arriscavam a subida íngreme da Rua de Santo António (31 de Janeiro para os de fora) sem antes engraxar botas e sapatos em Sá da Bandeira, onde também podiam tentar a sua sorte numa lotaria, ou a ver um filme pornográfico no teatro.
Por vezes eram às dezenas os mancebos que, chegados à Batalha, desciam a Rua Cimo de Vila, em busca de serviços sexuais especializados, para a maioria, a sua primeira vez.
Não passava um dia sem os vermos a sair da Igreja dos Congregados, onde talvez fossem expiar os seus pecados e pedir perdão pelos da noite anterior.
Era frequente encontra-los um pouco mais abaixo, na Rua Chã, a comprar o último modelo de rádio portátil, para muitos a única forma de se ligarem ao mundo no seu dia-a-dia.
Outros optavam por descer da Sé até à Rua Escura. Pelo caminho, tascos (tabernas para os de fora), onde se faziam as refeições e se bebiam neguinhos e copos de três.
Eram frequentes os excessos de vinho da pipa, transporte rápido dos forasteiros para os braços das mulheres da vida e soleiras da porta convertidas em camas temporárias.
Nem mesmo os mais afoitos resistiam aos carteiristas da cidade, raposas atentas ao baixar da guarda de quem por ali tudo perdia à sua mercê.
Homens honrados, envolviam-se facilmente em escaramuças, onde alguém acabava por dar e levar porrada.
No entanto o mundo rural chegava todos os dias à cidade. Tenho bem presentes as memórias de tantos destes homens, chegados do campo, distinguiam-se entre a multidão sobretudo pelos seus bonés e chapéus, acessórios de moda não muito comuns entre os urbanos nas décadas de 80 e 90.
A cidade sempre os teve como parolos (saloios nas cidades a sul do Mondego), adjetivo utilizado habitualmente como insulto, classificando alguém como rural, com pouca educação.
Mera ilusão. Os parolos sempre estiveram entre nós.
Desaguavam na Estação de São Bento ou na Central de camionagem da Batalha, vindos de todo o Norte de Portugal.
Calcorreavam a Rua Mouzinho da Silveira, à procura da melhor batata-semente, na Moysés Cardoso & C.ª ou das melhores sementes de hortícolas e das últimas novidades em bolbos, na Alípio Dias & Irmão. Ou de peças para as bombas de rega, na Motocapucho.
Percebia-se alegria quando se aventuravam pela Rua das Flores, numa das muitas ourivesarias, à procura de um anel ou brincos, para oferecer a quem lá na terra lhes havia roubado o coração.
Havia tristeza no olhar daqueles a quem a terra cobrou o ouro, à porta da casa de penhores.
Era nesta rua que se forneciam dos mais finos lençóis, linhos e acolchoados que o dinheiro podia comprar.
As melhores porcas e outras ferragens, ferramentas e utensílios, vinham das lojas especializadas da Rua do Almada.
Alguns não arriscavam a subida íngreme da Rua de Santo António (31 de Janeiro para os de fora) sem antes engraxar botas e sapatos em Sá da Bandeira, onde também podiam tentar a sua sorte numa lotaria, ou a ver um filme pornográfico no teatro.
Por vezes eram às dezenas os mancebos que, chegados à Batalha, desciam a Rua Cimo de Vila, em busca de serviços sexuais especializados, para a maioria, a sua primeira vez.
Não passava um dia sem os vermos a sair da Igreja dos Congregados, onde talvez fossem expiar os seus pecados e pedir perdão pelos da noite anterior.
Era frequente encontra-los um pouco mais abaixo, na Rua Chã, a comprar o último modelo de rádio portátil, para muitos a única forma de se ligarem ao mundo no seu dia-a-dia.
Outros optavam por descer da Sé até à Rua Escura. Pelo caminho, tascos (tabernas para os de fora), onde se faziam as refeições e se bebiam neguinhos e copos de três.
Eram frequentes os excessos de vinho da pipa, transporte rápido dos forasteiros para os braços das mulheres da vida e soleiras da porta convertidas em camas temporárias.
Nem mesmo os mais afoitos resistiam aos carteiristas da cidade, raposas atentas ao baixar da guarda de quem por ali tudo perdia à sua mercê.
Homens honrados, envolviam-se facilmente em escaramuças, onde alguém acabava por dar e levar porrada.
Um pouco mais abaixo, na Rua da Bainharia, abasteciam-se de todo o tipo de roupa e calçado. Podiam também voltar a abastecer para a viagem de regresso, nos diversos tascos da rua.
Em quase todos havia sempre um rádio ou uma jukebox a tocar os maiores êxitos da música popular da altura.
O eterno “Verde Vinho”, de Paulo Alexandre, e o mítico “A Bela Portuguesa”, de Marante,, por sinal, a minha variedade de roseira trepadeira favorita, eram temas diários e absolutamente obrigatórios.
Esta música de Marante ainda hoje é porta de entrada no mundo rural. Ouvi-la remete-me sempre paras as ruas da minha infância, onde rural e urbano se misturaram, durante séculos.
Tive o privilégio de conhecer uma quantidade considerável de artistas populares portugueses, pelas idas frequentes à RTP, para falar de agricultura.
Para mim, Marante será sempre a referência maior da ligação entre estes dois mundos. Recentemente, quando lhe contei esta história, rimo-nos à gargalhada!
De seguida, lá foi ele cantar pela enésima vez “A Bela Portuguesa” e eu, um urbano de 50 anos, profissional de agricultura sem sair da cidade há mais de 20, dancei com muita alegria ao seu ritmo, como se fora um rapaz de boné de feltro, nas ruas da minha infância.
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