A luz guardada nas árvores
Quando acendemos a lareira, pensamos muitas vezes que estamos apenas a queimar madeira. Mas o que arde ali é outra coisa. É luz. Luz antiga. Luz partilhada. A chama que se ergue diante de nós é o regresso do Sol que as árvores guardaram durante anos.
Aquele calor não é apenas calor. É o eco de fotões que viajaram desde a superfície solar até às folhas de um carvalho, de um castanheiro, de um pinheiro.
Fotões que iluminaram verões da nossa infância, tardes de praia, caminhadas no campo, momentos em que crescíamos distraídos do facto de que uma árvore, serena e paciente, recolhia essa mesma luz para nos a oferecer de novo um dia.
Durante décadas, a árvore recebeu o Sol que também nos banhou. Cada primavera em que renascia, cada verão em que alargava a copa, fazia aquilo que apenas os seres fotossintéticos sabem fazer. Transformava claridade em substância.
Convertia energia luminosa em matéria, fabricando açúcares que depois arrumava com cuidado no tronco, prendendo o brilho dos dias em ligações de carbono que se tornavam madeira. Anel após anel, a árvore foi arquivando esta luz, solidificando o passar das estações, guardando dentro de si as primaveras que também nós experienciamos.
Por isso, quando uma árvore tem a nossa idade, a sua combustão é o regresso de uma claridade que atravessou as mesmas estações que nós.
Aquele fogo liberta a luz dos verões que nos viram crescer, a mesma radiação que tocou a nossa pele quando éramos crianças maravilhadas com as marés, com o voo dos insetos, com o cheiro das algas, com o ruído das pinhas a estalar ao sol.
Adolescentes que descobriam o mundo sem pressa, encantados com o rumor das árvores, com o brilho do rio depois da chuva, com a dança lenta das nuvens sobre o campo. Adultos que aprenderam a abrandar diante da vastidão tranquila do horizonte, onde a luz pousa sem exigir nada.
Todo esse Sol que um dia nos aqueceu o rosto ficou também guardado no tronco que agora colocamos na lareira.
A ciência explica o milagre com simplicidade desarmante. Graças à fotossíntese, a árvore captou energia solar e usou-a para construir moléculas ricas em ligações químicas. Ficaram presas ali, no lenho, sob a forma de celulose, hemicelulose e lenhina. A madeira tornou-se um cofre de luz.
Quando o fogo se aproxima, esse cofre abre-se. O calor quebra as ligações que a árvore criou ao longo da vida e a energia regressa ao mundo como chama viva, como claridade quente que enche a nossa casa. A combustão é o gesto inverso da fotossíntese, a devolução luminosa daquilo que antes foi colhido do céu.
É por isso que aquele primeiro estalido da lenha parece sempre mais profundo do que um simples ruído. São paredes celulares a ceder, sim, mas é também uma memória a libertar-se. Cada faísca que salta é um fragmento de verão. Cada brasa é um resto de tarde luminosa que brilhou sobre a árvore e sobre nós.
Cada chama é uma frase escrita na linguagem elementar do carbono, a lembrar-nos que a luz que um dia recebemos continua aqui, renascida em fogo.
Guarda-se nos anéis de uma árvore como se guardasse numa caixa-forte as estações que vivemos ao lado dela. E um dia, quando a lenha arde na sala onde conversamos, a luz dessas estações regressa inteira, aquecendo-nos como nos aqueceu quando éramos outros.
O fogo que nos ilumina hoje é o mesmo Sol que nos tocou na pele quando descobríamos o mundo. A lareira apenas revela o que sempre esteve lá. A energia de todas as primaveras e todos os verões que nos viram crescer, devolvida em forma de chama.
Quando acendemos a lareira, devíamos lembrar-nos de que cada tronco é um corpo inteiro de luz acumulada, anos de claridade tecidos em madeira.
E porque essa luz não se repete, porque cada árvore é um milagre irrepetível da paisagem, cabe-nos honrar o gesto de a queimar. Por cada chama que se eleva, deveria nascer uma jovem árvore algures no mundo, para continuar a escrever a história que aquela deixou por terminar.
Pois o fogo consome, mas a floresta renova. E se a lareira nos aquece hoje, é porque um dia uma árvore se deixou atravessar pelo Sol para o guardar no seu lenho. Agora é a nossa vez de devolver. Plantar é o modo humano de agradecer. É fazer regressar à terra a promessa luminosa que o tronco cumpriu. É garantir que as estações futuras terão onde pousar a sua claridade.
Que cada chama nos lembre isto: o fogo só é completo quando abre caminho a outra vida. Queimar madeira é aceitar uma herança de luz; plantar uma árvore é prolongá-la.
E assim, quando a próxima lareira for acesa, não teremos apenas um lar mais quente. Teremos também um mundo mais pleno, capaz de guardar novamente o Sol que um dia regressará, em forma de chama, para nos aquecer outra vez.
O fogo que nos ilumina hoje é o mesmo Sol que nos tocou na pele quando descobríamos o mundo. A lareira apenas revela o que sempre esteve lá. A energia de todas as primaveras e todos os verões que nos viram crescer, devolvida em forma de chama.
Quando acendemos a lareira, devíamos lembrar-nos de que cada tronco é um corpo inteiro de luz acumulada, anos de claridade tecidos em madeira.
E porque essa luz não se repete, porque cada árvore é um milagre irrepetível da paisagem, cabe-nos honrar o gesto de a queimar. Por cada chama que se eleva, deveria nascer uma jovem árvore algures no mundo, para continuar a escrever a história que aquela deixou por terminar.
Pois o fogo consome, mas a floresta renova. E se a lareira nos aquece hoje, é porque um dia uma árvore se deixou atravessar pelo Sol para o guardar no seu lenho. Agora é a nossa vez de devolver. Plantar é o modo humano de agradecer. É fazer regressar à terra a promessa luminosa que o tronco cumpriu. É garantir que as estações futuras terão onde pousar a sua claridade.
Que cada chama nos lembre isto: o fogo só é completo quando abre caminho a outra vida. Queimar madeira é aceitar uma herança de luz; plantar uma árvore é prolongá-la.
E assim, quando a próxima lareira for acesa, não teremos apenas um lar mais quente. Teremos também um mundo mais pleno, capaz de guardar novamente o Sol que um dia regressará, em forma de chama, para nos aquecer outra vez.

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