Porque devemos proteger o musgo

O musgo é um dos grupos de plantas terrestres mais antigos que aprenderam a viver fora da água e continuam hoje a acompanhar-nos, com a mesma discrição persistente de sempre.

Cresce devagar sobre a pedra fria, na frescura das ravinas, na sombra das velhas florestas e nas planícies encharcadas, onde a água se demora sem pressa, como se encontrasse um chão feito para a acolher.

A sua estrutura acolhe a humidade e liberta a água com suavidade, enquanto o carbono se acumula em repouso prolongado, sedimentado ao longo de gerações de crescimento lento. Nas turfeiras, os esfagnos das terras altas criam condições únicas para armazenar reservas de carbono, por unidade de área frequentemente muito superiores às das plantas vasculares que com eles convivem.

São pequenas plantas sem flores nem sementes, que influenciam de forma decisiva o equilíbrio da água, moderam a atividade do solo e sustentam uma diversidade ampla de microrganismos, invertebrados e plantas jovens, que encontram naquele tapete vivo um abrigo onde podem germinar e crescer.

Em Portugal existem musgos raros que exigem atenção redobrada. A espécie Riella helicophylla, por exemplo, sobrevive apenas em pequenas zonas do sotavento algarvio. No continente, mais de uma dezena de briófitos apresentam estatuto de ameaça, entre os quais Marsupella profunda, classificada como criticamente em perigo.

Nos Açores existem também várias espécies vulneráveis, dependentes da estabilidade das suas florestas húmidas e turfeiras. Na Madeira, onde a bruma sustenta comunidades únicas, destacam-se Bryoxiphium madeirense e Thamnobryum fernandesii, ambas restritas a poucos cursos de água e paredes sombrias.

Este conjunto discreto de seres vivos recorda-nos que a conservação não se faz apenas de grandes paisagens, mas de cada fragmento de habitat onde a água e a sombra ainda permitem que estas formas de vida persistam.

A legislação nacional que transpõe a Convenção de Berna, atualmente integrada no Decreto-Lei n.º 38/2021, aplica-se a todo o território português e proíbe a colheita, a apanha, o corte e a destruição dos habitats das espécies de flora incluídas nos respetivos anexos de proteção estrita.

Nas Regiões Autónomas, esta norma mantém-se plenamente em vigor e é complementada por orientações regionais que reforçam a fiscalização e a sensibilização pública.

Nos Açores, avisos recentes recordam que a remoção de leiva ou musgão (Sphagnum spp.) constitui uma contraordenação ambiental muito grave, reforçando o papel destas espécies na estabilidade das turfeiras e na regulação da água e do carbono.

Na Madeira, a proteção decorre igualmente da legislação nacional e dos planos de gestão de áreas protegidas que salvaguardam os habitats de montanha onde muitos briófitos sobrevivem.

Estas medidas existem porque a perda de musgo numa turfeira equivale a retirar uma peça essencial do ciclo da água e da guarda natural de carbono, fragilizando ecossistemas que demoram décadas a recuperar.

Mesmo onde a lei não impõe proibição direta, a apanha de musgo deve ser evitada. Estas comunidades são muito sensíveis ao pisoteio e à remoção da camada viva que retém a humidade. Cada porção retirada corresponde a anos de crescimento, que tardam em recompôr-se, e reduz a capacidade do solo para conservar água nas estações secas.

A recolha para fins decorativos, sobretudo na época natalícia, é uma das causas de regressão de várias populações, razão pela qual o ICNF e outros organismos apelam há anos para que não se arranque musgo para construir presépios e outros ornamentos.

A conservação começa em gestos simples. Caminhar com cuidado em zonas húmidas. Evitar a recolha de musgos e ensinar os mais jovens a reconhecê-los como guardiões de água e de quietude. Respeitar as áreas protegidas e seguir as orientações locais.

Apoiar projetos de recuperação de turfeiras e participar em atividades de ciência cidadã que registam a presença de espécies vulneráveis. Cada gesto reforça a teia frágil que sustenta estes seres antigos. Ao protegermos o musgo, protegemos um pedaço profundo do tempo e do clima.

Guardamos não só as espécies raras que vivem nas margens salinas de Castro Marim ou nos prados encharcados das ilhas, mas também a esperança de que a terra pode permanecer fértil, fresca e viva, se escutarmos estes pequenos testemunhos verdes que nos pedem apenas respeito e atenção.

Há sempre um caminho simples para honrar o musgo sem o ferir. A cortiça que imita a terra intacta, as pinhas caídas que a floresta oferece sem perda, as rodelas de fruta seca que iluminam o inverno, os pequenos ramos de poda que ainda guardam o perfume do campo e até os presépios de madeira ou feltro que duram uma vida inteira.

São alternativas usadas em muitos lugares do mundo, recordam-nos que a verdadeira beleza não precisa de arrancar nada ao manto húmido das ravinas. Se escolhermos materiais que encontramos no solo sem causar dano, tecidos que se reutilizam, plantas vivas que continuam connosco depois de dezembro, cada presépio transforma-se num sinal simples de cuidado.

Também as autarquias podem dar o exemplo, lembrando às comunidades que a proteção do musgo começa nos gestos de todos. Em muitos lugares do país erguem-se, por esta altura, centenas de presépios que celebram a criatividade das escolas, associações e famílias.

Se cada junta, câmara ou instituição incluir nos seus regulamentos a proibição do uso de musgo verdadeiro e premiar as propostas que recorrem a materiais sustentáveis, estará a transformar a tradição num exercício de preservação.

Assim, o presépio deixa de ser apenas um adorno de inverno e passa a ser uma forma de ensinar que a beleza não precisa de ferir o solo nem de remover o que faz falta aos aquíferos e à vida que neles se apoia.

Quando o poder local valoriza quem protege, a comunidade aprende que preservar o musgo é também preservar a água, o território e o futuro. E assim, poupando o musgo a uma prática descuidada, deixamos no solo a frescura de que ele precisa para continuar a guardar água, carbono e vida.
 

 

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