Dois Irmãos

Que viagem magnífica tem feito estes dois passageiros de navios portugueses ao longo de séculos.

Trazido da Índia por quem lhe descobriu o caminho marítimo, da Europa pelo Atlântico, o cânhamo (Cannabis sp.) nunca mais abandonou os nossos navios. Era certa a sua presença a bordo como a de pipos de vinho e ratos no porão.

Durante séculos vestiu marinheiros, deu as suas fibras às cordas e velame das embarcações. O outro, que se fumava, trazia aos homens aquilo que faltava para embarcar rumo ao desconhecido.

A história de Portugal seria bem diferente sem estas plantas a bordo.

Quando Pêro Vaz de Caminha descreveu os primeiros dias da frota de Pedro Álvares Cabral no Brasil, em Abril de 1500, referiu que os portugueses deram a provar aos indígenas vinho, pão, pastéis, mel e figos secos, entre outros. Escondidos, sorrateiros, iam as doenças e o cânhamo, que ali deixamos ficar para sempre.

No Brasil erguemos-lhe uma Real Feitoria, fomos dos maiores produtores mundiais. Existem tratados, escritos por agrónomos, que descrevem ao pormenor o seu cultivo. Como em tantas outras culturas, não estivemos à sua altura e deixamo-lo partir, nos navios dos outros…

Tão fiável como a presença de cânhamo a bordo era a companhia do precioso líquido combustível de homens, mescla provável de aguardente e vinho, para evitar que azedasse nas longas viagens, processo que já seria bem conhecido dos portugueses muito antes do início do comércio do produto que mais tarde os ingleses viriam a chamar de vinho do Porto.

Dita agora o destino que uma ex-colónia dos nossos mais antigos aliados os quer transformar em rivais, vítimas da economia e das leis de mercado.

Dos porões dos navios, partilham agora as prateleiras de lojas onde se fazem filas para experimentar o “Lázaro” ressuscitado. Impõem-se taxas ao elixir, porque tem mais graus do que devia... Rebatiza-se a planta maldita de medicinal e recreativa…

Sobe o cânhamo, desce o vinho do Porto.

A estes dois irmãos, substâncias sagradas da portugalidade, ninguém conseguirá separar. Nem São “Justin(o)”.

https://expresso.sapo.pt/economia/2019-02-04-Vinho-do-Porto-tem-de-concorrer-com-a-canabis-no-Canada?fbclid=IwAR3AVo6KibJy7Isk1c90-fgdawIODws9W4hSrCzk3AX8zzM83qAqLNYADiI#gs.lAZvRKGr

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