Sabia que em Portugal existem 17 espécies autóctones de roseiras?

As roseiras foram outrora as rainhas indiscutíveis dos jardins. Nelas se celebrava a delicadeza, a fragrância e o labor da poda. Hoje, porém, parecem ter sido exiladas da modernidade. São raras nos canteiros urbanos, raríssimas nas varandas, e quase ninguém as cultiva por prazer. 
 
Ainda assim, no silêncio do meio rural, as roseiras resistem. Encontram-se diante das casas, em muros baixos ou canteiros antigos, florescendo de maio a setembro, de norte a sul do país. São sentinelas de outros tempos, guardiãs de memória e perfume, que continuam a anunciar a estação quente mesmo quando o resto do mundo parece tê-las esquecido.

Nos viveiros, as novas modas cobriram o seu nome com pó e o perfume que outrora era sinónimo de civilização desapareceu do ar dos jardins. Ainda assim, as roseiras continuam connosco. Persistem discretas, nas sebes e taludes, nas orlas húmidas e margens de caminhos.

Continuam a florir no silêncio dos lugares esquecidos, oferecendo abrigo à fauna, alimento a aves e mamíferos, e cor e forma à paisagem. São as nossas roseiras autóctones, parte viva da herança vegetal de Portugal.

Sabia que em Portugal existem 17 espécies autóctones de roseiras? O nosso território, entre o Atlântico e o Mediterrâneo, é um dos mais ricos da Europa neste género. Estão tão esquecidas, que a maioria das espécies é conhecida pelo nome de roseira-brava ou nem sequer apresenta um nome vulgar…

São elas: 
 
  • Roseira-brava (Rosa sempervirens);
  • Roseira-brava (Rosa agrestis); 
  • Roseira-brava (Rosa villosa); 
  • Roseira-canina (Rosa canina); 
  • Roseira-de-folhas-glandulosas (Rosa micrantha); 
  • Roseira-de-pés-glandulosos (Rosa pouzinii); 
  • Roseira-ferrugínea (Rosa rubiginosa); 
  • Rosa arvensis
  • Rosa tomentosa;
  • Rosa corymbifera;
  • Rosa andegavensis;
  • Rosa stylosa;
  • Rosa squarrosa;
  • Rosa blondaeana;
  • Rosa deseglisei;
  • Rosa vosagiaca;
  • Na ilha da Madeira, a endémica roseira-brava (Rosa mandonii).
 
Cada espécie possui o seu domínio e caráter, como se o território português lhes tivesse oferecido um papel próprio no grande teatro da paisagem.

A roseira-brava (Rosa sempervirens) entrelaça o litoral húmido e sombreado, a roseira-canina (Rosa canina) acompanha caminhos e sebes de norte a sul.

A Rosa arvensis prefere as planícies calcárias do centro-litoral, a roseira-ferrugínea (Rosa rubiginosa) e Rosa villosa encontram refúgio nas serras frias e pedregosas do interior.

A Rosa tomentosa cresce nos vales húmidos e sombreados, a roseira-de-folhas-glandulosas (Rosa micrantha) e Rosa corymbifera prosperam nas orlas dos pomares e dos matos.

A Rosa stylosa, Rosa andegavensis e Rosa deseglisei habitam discretamente as Beiras, a roseira-de-pés-
glandulosos (Rosa pouzinii) e Rosa blondaeana sobrevivem em solos secos e calcários do sul, a rara Rosa squarrosa escolhe sebes altas e margens de caminhos pedregosos e Rosa vosagiaca surge onde o bosque se dissolve em mato claro.

Na Madeira, a roseira-brava (Rosa mandonii), endémica e delicada, sobrevive nas encostas húmidas da Laurissilva como herança vegetal de outro tempo.

Entre todas, há vidas mais frágeis do que outras. A roseira-ferrugínea (Rosa rubiginosa), vive restrita ao setor sudoeste da serra da Estrela, sobrevivendo apenas em orlas e clareiras de bosques de medronheiro, azereiro e azevinho.

Trata-se de uma espécie de identificação complexa, com registos escassos e incertos, não documentados nas últimas sete décadas. A população nacional é diminuta, composta por menos de cinquenta indivíduos maduros concentrados numa única subpopulação, extremamente vulnerável a incêndios, invasoras e à perda de diversidade genética.

Pela reduzida área de ocupação e pelo declínio continuado do habitat, foi classificada como Criticamente em Perigo. A sua conservação depende de ações urgentes de propagação em viveiro, reforço populacional, monitorização e salvaguarda de material genético em bancos de germoplasma.

Espécies como Rosa squarrosa e Rosa blondaeana, de distribuição muito restrita, partilham o mesmo destino silencioso. Mesmo as roseiras comuns, antes abundantes, sofrem com a eliminação das sebes tradicionais, a fragmentação do habitat e o esquecimento da agricultura de mosaico.


A Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental recorda que cada haste perdida é um elo da memória natural que se rompe, e que proteger estas espécies é também preservar a nossa paisagem agrícola e cultural.


No conjunto, estas roseiras desenham um mapa de contrastes, do verde húmido do Atlântico ao calor seco do Alentejo, das serras interiores às dunas claras. São costuras vivas do território, essenciais à vida de insetos, aves e pequenos mamíferos, unindo o país num contínuo de perfume e acúleos.

Por isso, nos jardins naturalizados e nas quintas onde se pratica a agroecologia, começam a regressar ao seu lugar de honra, não como ornamento, mas como expressão de uma paisagem paciente e generosa.

A vida destas plantas é uma lição de harmonia. As flores simples de cinco pétalas atraem abelhas, borboletas, moscas e besouros. São pequenas estações de polinização que garantem o alimento de centenas de espécies.

No outono, os frutos vermelhos, os cinórrodos, alimentam tordos, pintassilgos, melros e pequenos mamíferos, que ao dispersar as sementes perpetuam o ciclo da vida. Mesmo quando o inverno cobre os campos de cinza, as roseiras continuam a ser abrigo e refúgio.

As suas raízes firmam os taludes e impedem a erosão, os seus acúleos oferecem proteção a ninhos, e o seu porte espesso compõe uma arquitetura vegetal que protege o solo e suaviza o clima.

Durante séculos, as roseiras silvestres serviram também o homem. Delas se fizeram sebes vivas que delimitavam propriedades, protegiam culturas e resguardavam pomares. 
 
A roseira-canina (Rosa canina) foi, e continua a ser, o principal porta-enxerto das roseiras cultivadas pela sua resistência, adaptabilidade e longevidade. Resistentes, suportam a enxertia de variedades ornamentais e de corte, garantindo plantas robustas e duradouras.
 
Esta aliança entre o silvestre e o cultivado permite a continuidade do género Rosa, onde a força genética das espécies autóctones sustenta a delicadeza das flores criadas pelo homem, servindo de base invisível às rosas ornamentais que povoam os catálogos e viveiros de todo o mundo. A horticultura moderna vive graças à força das suas ancestrais silvestres.

Em muitas regiões vitícolas europeias, as roseiras continuam a ser companheiras das vinhas, plantadas nas extremidades das linhas. Além do valor simbólico e estético, funcionam como bioindicadores naturais de doenças fúngicas, em especial do oídio e do míldio. 
 
Por manifestarem precocemente os sintomas, permitem intervenções mais rápidas e precisas, reduzindo a necessidade de tratamentos. Esta antiga prática, enraizada na sabedoria agrícola, é hoje reconhecida como uma ferramenta ecológica de monitorização.

Mas as rosas não foram apenas sebes vivas ou cavalos de enxertia. Foram alimento e remédio, parte da farmacopeia popular e da cozinha rural. Os cinórrodos, secos ou cozidos, foram durante séculos preparados em chás
e xaropes ricos em vitamina C, utilizados contra constipações e febres.

Nas aldeias serranas, faziam-se doces e compotas de frutos de rosa, e nas feiras de outono vendiam-se sacos com pétalas secas, usadas em infusões aromáticas ou para perfumar naturalmente a roupa e os lençóis.

A roseira-ferrugínea (Rosa rubiginosa), de cujas sementes se obtém o valioso óleo de rosa-mosqueta, continua a ser procurada por laboratórios e pequenas oficinas artesanais para preparar unguentos, cremes e bálsamos de cicatrização. São heranças silenciosas de uma economia vegetal que ligava saúde, paisagem e tradição.

Cultivada desde a Idade Média para fins medicinais e cosméticos, a antiga e nobre rosa-gálica (Rosa gallica), embora introduzida, enraizou-se na cultura europeia como símbolo de pureza e beleza. Dela se extraía a delicada água de rosas e o precioso óleo essencial, usados em unguentos, perfumes e rituais de cuidado que atravessaram séculos e que ainda hoje inspiram a cosmética natural contemporânea.

As roseiras portuguesas são, acima de tudo, resistentes. Crescem em solos pobres, suportam geadas e calor, raramente adoecem. Essa resiliência natural é a razão pela qual deviam regressar aos jardins. Contudo, a estética contemporânea afastou-as. As suas flores são singelas e de curta duração, uma beleza que se oferece de uma só vez e se despede sem alarde.

Nos jardins públicos e privados, procura-se a floração contínua, o impacto visual, a cor permanente. As roseiras autóctones não competem com isso. São flores de tempo e de paciência, não de espetáculo. Talvez por isso as tenhamos esquecido.

Mas quem as cultiva sabe que o seu perfume, ainda que efémero, é de uma intensidade impossível de reproduzir em laboratório, e que a sua presença, mesmo sem flor, é de uma elegância sóbria, intensamente viva.

As roseiras acompanharam o meu percurso profissional. Estudei na escola agrícola em Santo Tirso, onde nas aulas práticas tínhamos forçosamente de aprender a podar e a enxertar roseiras. Mal sabia que essa disciplina diária, repetida ano após ano, seria um alicerce silencioso do meu início de carreira em Serralves.

A escola era famosa pela sua Festa das Rosas, uma celebração anual em que toda a comunidade se reunia em torno da floração e da arte da poda. Era um acontecimento simbólico e alegre, que transformava a escola num jardim vivo, com os arcos do mosteiro repletos de cor, concursos de variedades e demonstrações de enxertia que reuniam mestres e alunos.

Aprendíamos que a poda tem uma liturgia própria e que o ofício agrícola é também arte, cultura e partilha. Mais tarde, ensinei esta arte a centenas de pessoas, em cursos, formações e programas de televisão. 
 
Os vídeos sobre poda de roseiras que gravei para a SIC e para a RTP continuam a ser vistos por milhares de pessoas. Em cada gesto de tesoura ensina-se muito mais do que técnica, ensina-se respeito pela forma, pelo tempo e pela vida que se renova a cada corte certo. 

Foram estas plantas, de uma simplicidade antiga, que acompanharam a minha vida. Nos jardins de Serralves, onde o tempo se media pelo som das podas e o ciclo das estações, tive o privilégio de gerir um dos maiores roseirais do país.

Ali aprendi que as rosas são professoras silenciosas. Ensinam-nos a observar, a esperar, a aceitar. Durante anos, iniciei centenas de pessoas nos trabalhos de propagação, poda e manutenção. Vi nascer amores inesperados pela jardinagem e paixões arrebatadas por aquelas flores de perfume quase espiritual.

Nos últimos dias de abril, vinham ao roseiral os mais devotos, para assistir ao desabrochar das primeiras Bela Portuguesa lá no alto da pérgula. Era um ritual de primavera. O ar enchia-se de
fragrância e o murmúrio das visitas confundia-se com o zumbido das abelhas. Nenhuma fotografia consegue capturar aquele instante.

Recentemente, o roseiral de Serralves foi profundamente renovado, substituindo-se grande parte das antigas coleções por variedades mais resistentes e adaptadas ao contexto atual.

Esta transformação reflete uma nova consciência ecológica: num tempo de alterações climáticas, em que o aumento das temperaturas e a irregularidade das chuvas favorecem pragas e doenças, é essencial optar por plantas mais resilientes e com menor exigência fitossanitária. As roseiras, sensíveis por natureza, tornam-se assim embaixadoras discretas da adaptação climática nos jardins históricos.

Entre as variedades modernas, de flores perfeitas e longas mas desprovidas de aroma, e as antigas, de curta floração mas perfume inebriante, sempre preferi as segundas.

A Bela Portuguesa (Rosa ‘Bela Portuguesa’), criada em Lisboa por Henri Cayeux no início do século XX, é uma trepadeira vigorosa, de grandes flores cor-de-rosa pálido e presença quase escultórica.

A chamada Santa Teresinha (Rosa ‘Cécile Brünner’), nome carinhoso dado em Portugal a uma variedade francesa criada em 1881 por Marie Ducher e apresentada pelo seu genro Joseph Pernet Ducher, é uma das roseiras mais cultivadas e estimadas do mundo.

Pertence ao grupo das Polyantha, conhecidas pelas flores pequenas e delicadamente perfumadas, que florescem em cachos abundantes ao longo da primavera e do verão. O seu porte gracioso e a cor rosada suave fizeram dela presença habitual em jardins familiares e conventuais, onde passou a ser associada à devoção de Santa Teresa do Menino Jesus, origem provável do nome popular português.

Embora de origem francesa, tornou-se parte da tradição afetiva dos jardins portugueses, símbolo de ternura e simplicidade.

Ambas representam um património botânico e cultural que importa preservar. Quando ofereci borbulhas da Bela Portuguesa (Rosa ‘Bela Portuguesa’) a um dos viveiros mais antigos do país, para que pudesse manter viva esta variedade, senti que estava a devolver ao tempo um pedaço de beleza. 
 
Recordo também os anos de aprendizagem e amizade vividos com o médico Rocha e Melo, distinto neurocirurgião e jardineiro apaixonado. Foi ele, juntamente com o senhor Fernando Guedes, da Sogrape, então administradores do Parque de Serralves, quem me entrevistou e contratou para a função que mais tarde viria a desempenhar como Encarregado-Geral dos Jardins.

Nos jardins de Serralves, caminhávamos longamente a discutir podas de fruteiras, variedades de camélias e roseiras, adubações e tratamentos fitossanitários.

Almoçávamos no Círculo Universitário do Porto ou na Casa de Chá de Serralves, invariavelmente conduzidos ao mesmo tema, sobre a arte de plantar com sentido, de escolher o sítio certo para uma árvore, devolver vida à terra cansada. Foi um homem de ciência e de sensibilidade, que me ensinou que o rigor técnico e o amor pela terra são inseparáveis.


Dizia-me muitas vezes que um médico que só sabe medicina nem medicina sabe. Eu sempre soube que o mesmo vale para a agricultura.
 
Durante anos, fui guia botânico da Associação dos Amigos do Jardim Botânico da Ajuda, conduzindo grupos de portugueses nos grandes festivais de jardinagem de Inglaterra, como o Chelsea Flower Show e o Hampton Court Palace Garden Festival, ansiosos por descobrir o que o mundo vegetal podia oferecer de novo.  

Nestes festivais, no início dos anos 2000, vi pela primeira vez roseiras inoculadas com micorrizas serem comercializadas.

Foi um momento de revelação, porque logo aí percebi que o futuro da horticultura passava por reconhecer que a força de uma planta começa no invisível, nas alianças subterrâneas entre raízes e fungos.

A convivência com as micorrizas aumentou a minha consciência para métodos alternativos aos convencionais, mostrando-me que a vitalidade de um jardim nasce do equilíbrio e não da química. Esta descoberta resume tudo o que acredito sobre o cultivo e sobre a vida: não há crescimento sem partilha. 


Nos meus tempos de agricultor e viveirista, entre tomilhos e alfazemas, havia sempre espaço para uma roseira antiga. A rosa-gálica (Rosa gallica) e a Rosa centifolia insistiam em florir e perfumar o ar.

Ali, as roseiras conviviam com as ervas aromáticas como se fossem velhas amigas. O seu perfume misturava-se com o das mentas e das santolinas, e o jardim tornava-se um lugar onde a beleza e a utilidade se encontram. 

No plano económico e cultural, a roseira ocupa um lugar sem rival. A flor cortada mais cultivada do planeta é a moderna Rosa × hybrida, descendente de séculos de hibridação entre espécies asiáticas e europeias.

Hoje é produzida em muitos países do mundo, em estufas e em campo aberto, com milhões de pés plantados para corte e jardim. As variedades incorporam quase todas as cores imagináveis, do branco imaculado aos tons muito escuros, quase negros, fruto do melhoramento genético. Contudo, em muitos casos o perfume perdeu protagonismo e muitas permanecem fechadas num botão que se abre para o impacto visual mas pouco para o aroma.

Há, porém, outra roseira que continua a perfumar a economia. A Rosa damascena, cultivada na Bulgária, na Turquia, no Irão, na Índia e em Marrocos para produção de óleo essencial.


Para cada quilograma de óleo de rosa de alta qualidade são necessárias algumas toneladas (3 a 5 ton/kg) de pétalas frescas, colhidas manualmente ao amanhecer. 

Nas regiões produtoras multiplicam-se festivais, visitas aos campos e às destilarias dos aromas, onde a ciência, a tradição e o turismo se entrelaçam. No vale das Rosas da Bulgária, por exemplo, o festival anual atrai milhares de visitantes que participam no ritual da colheita e da destilação, integrando turismo, cultura e paisagem perfumada.


Sonho com um jardim botânico de plantas autóctones de Portugal, com um lugar especial para as nossas roseiras. Um espaço que reúna, conserve e mostre estas plantas, para que todos as possam conhecer, cheirar e compreender.

Imagino-o como um santuário de biodiversidade, onde cada espécie seja identificada, estudada e cultivada.

Onde se possa ensinar que a roseira-canina (Rosa canina) é o coração das sebes vivas, que a roseira-brava (Rosa sempervirens) sobe por entre os carvalhos, que a roseira-brava (Rosa mandonii) é uma joia escondida da Madeira. Seria um jardim pedagógico e sensorial, um lugar de encontro entre ciência e poesia.

As roseiras autóctones não precisam de ser reinventadas. Precisam apenas de ser olhadas de novo. São a memória viva de um país que floresce devagar. São belas, resistentes e generosas.

Se o mundo moderno as esqueceu, é porque se esqueceu também da delicadeza e da paciência que elas ensinam. Um dia, talvez regressem aos jardins. Até lá, continuarão a florir nos lugares onde a pressa não chega.

Cultivá-las é um gesto de gratidão. É reconhecer que a natureza não precisa de ser reinventada para ser perfeita. As roseiras portuguesas são a prova de que a beleza pode ser simples, que o perfume pode durar um instante e ser eterno, e que o verdadeiro luxo de um jardim é a calma silenciosa das suas flores abertas ao tempo.
 

 

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