Disco de Ouro

Em 1977, a NASA lançou para o céu duas mensageiras de longa travessia, as sondas Voyager 1 e Voyager 2, destinadas a aproximar os olhos da humanidade dos mundos gigantes de Júpiter e Saturno e das luas que os rodeiam como lanternas antigas. 

A Agência Espacial dos Estados Unidos convocou então um comité de sábios, presidido por Carl Sagan da Universidade de Cornell, confiando-lhe a tarefa de escolher aquilo que, partindo da Terra, pudesse falar ao desconhecido. Sons, imagens e memórias foram reunidos para que qualquer forma de vida extraterrestre, ou humanos de um futuro distante, pudesse entrever quem fomos. 

Sagan e a sua equipa recolheram 115 imagens e uma delicada orquestra de sons naturais. O trovão, o vento, o rumor das ondas, o canto das baleias e dos pássaros compõem este coro primordial. A eles juntaram peças musicais de diferentes épocas e culturas, e saudações pronunciadas em 55 línguas, como se o planeta se pudesse levantar inteiro para dizer um simples olá.

Cada Voyager leva no ventre um disco de cobre revestido a ouro, de 12 polegadas, guardando sons e imagens escolhidos para mostrar a vastidão e a ternura da vida terrestre. Uma cápsula do tempo lançada no silêncio, oferecendo a história de um mundo a quem, algum dia, a possa encontrar.

Quando vi pela primeira vez a coleção completa das 115 imagens, detive-me com espanto em vários pormenores. A única imagem de uma planta apresentada em grande detalhe é a de uma folha de morangueiro (Fragaria sp.). 

Entre tantas espécies que sustentaram e moldaram a existência humana, por que precisamente esta? Talvez porque, mesmo sem o saber, alguém quis deixar no espaço um eco de Strawberry fields forever.

Mas a folha não viaja sozinha. Entre as mensagens visuais seguem outros lampejos botânicos, discretos, mas luminosos. Folhas caídas no outono, espalhadas no chão. Uma árvore serena rodeada de narcisos amarelos. A antiga colheita do algodão. O gesto simples de um homem que leva à boca um cacho de uvas. O voo suspenso de um inseto diante de flores delicadas. 

São fragmentos de um jardim planetário enviados para longe, escolhidos para contar que o azul profundo da Terra nasce das suas águas inquietas, que a vida se levanta em ramos e flores, que o tempo se revela no deslizar da luz sobre as folhas tocadas pelo vento.

Se hoje preparássemos uma nova sonda, o olhar seria outro. As imagens não mostrariam apenas a exultação da vida, mas também a sua vulnerabilidade. Mostrariam um planeta onde a humanidade reduziu vastas florestas, deixando cerca de 67% da cobertura florestal original, perdendo aproximadamente 33% ao longo dos últimos milénios.

Mostrariam oceanos imensos e feridos, ainda tão pouco conhecidos que menos de 5% foram explorados com verdadeiro detalhe científico. Surgiria, sem artifícios, a realidade silenciosa de uma sexta extinção em marcha, acelerada pelo passo pesado da nossa própria espécie.

E revelariam, por fim, a nossa curiosa urgência em procurar outros mundos quando ainda conhecemos tão pouco deste. Todos os anos são descritas milhares de novas espécies, desde organismos marinhos a plantas e insetos, revelando relações invisíveis que sustentam a vida. É como se habitássemos um livro vivo do qual apenas abrimos a primeira página. 

A narrativa seria outra. Menos triunfante, mais humilde. Mais próxima da verdade. Cada imagem guardaria a fragilidade cintilante de um pedido de ajuda e a memória profunda do lugar a que pertencemos. 

As sondas, depois de atravessarem o vasto território dominado pelo vento solar, entraram na heliosheath em 2004, no caso da Voyager 1, e em 2007, no caso da Voyager 2. Mais tarde, a Voyager 1 cruzou a heliopausa a 25 de agosto de 2012, tornando-se o primeiro objeto humano a alcançar o espaço interestelar.

A Voyager 2 seguiu-lhe o destino a 5 de novembro de 2018. Ambas continuam a sua viagem e encontram-se hoje a navegar pelo espaço interestelar, a Voyager 1 a mais de 25 mil milhões de quilómetros da Terra e a Voyager 2 a mais de 20 mil milhões de quilómetros, comunicando ainda com a NASA através de sinais cada vez mais ténues.

Mais informações sobre os discos de ouro nesta ligação: https://goldenrecord.org/#universum
 
 



 
 

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